III Domingo da Quaresma
III Domingo da Quaresma (Lc 13,1-9)
Nem mais, nem menos; simplesmente todos são pecadores.
Por: Pe. André Vital Félix da Silva, SCJ
Ao longo da história da humanidade, verifica-se facilmente uma tendência muito forte de querer encontrar sempre explicações fáceis e imediatas para situações complexas, sobretudo quando essas dizem respeito a desastres da natureza que atingem pessoas humanas, ou atrocidades de poderes políticos totalitários que imperam despoticamente sobre pessoas e nações, cometendo contra elas todo tipo de injustiça e maldade sem sentido e sem razão. Apela-se ou para um fatalismo infantil de querer ver nas desgraças uma razão sem razão: “É porque tinha que acontecer”; ou mesmo buscam-se justificativas num fundamentalismo religioso, irracional e desumano, que atribui as desventuras humanas à justa punição dada pela divindade: “Castigo de Deus”.
Contudo, vale salientar que, na maioria das vezes, a desgraça dos outros nos aflige porque nos coloca diante da possibilidade de também nós, um dia, sermos desafortunados. Por outro lado, torna-se mais grave pensar que se ainda não fomos vitimados é porque gozamos de privilégios que nos isentam de desgraças e sofrimentos, somos menos pecadores do que os outros.
Se os atingidos pelo infortúnio são dos nossos círculos afetivos ou de nossa simpatia, seremos tomados de indignação e consideraremos a ocasião funesta uma injustiça perpetrada pelo céu ou pelos habitantes da terra. Caso contrário, a desgraça do outro será justificada como consequência natural das suas más ações, isto é, será apenas uma punição justa aos pecadores merecedores de castigo e pena.
O evangelho deste III Domingo da Quaresma rompe com esta mentalidade superficial e imoral. Os anunciadores da catástrofe esperam que Jesus declare a causa do massacre ou mesmo faça uma acusação da atitude injusta e atroz do governador romano. Talvez, de uma parte, para que eles tenham motivo de acusá-lo como um opositor da ordem estabelecida pelo poder dominante (Roma), e assim seja condenado à morte. Por outro lado, se perceberem a insensibilidade de Jesus diante das pessoas vitimadas pelo massacre, terão motivos de colocar o povo contra àquele que se diz o enviado de Deus para trazer a salvação, mas não é capaz de tomar a defesa dos injustiçados. Mas Jesus não se deixa levar pela tentação de explicações fáceis: “Julgais que a sua culpa tenha sido maior do que a de todos os habitantes de Jerusalém?”; e adverte que antes de buscar tentativas de explicação da justa ou mesmo injusta desgraça dos outros, é preciso reconhecer a necessidade da própria conversão, pois o fim virá para todos: “Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo”.
Portanto, todos os acontecimentos da vida devem ser lidos como sinais dos tempos, como apelos à conversão: “Sabeis discernir o aspecto da terra e do céu; e por que não julgais por vós mesmos o que é justo?” (Lc 12,56-57). Os acontecimentos desastrosos não são apenas ocasiões para fazer julgamentos precipitados e presunçosos, a fim de elencar os culpados e declarar os inocentes, mas devem ajudar a reconhecer que todos necessitam de mudança de vida, pois ninguém têm o controle absoluto do curso da vida, nem pessoal nem coletivo.
A reação de Jesus diante dos dois episódios evocados no evangelho de hoje, o massacre dos galileus e o desabamento da torre, denuncia que não se pode afirmar, de modo simplório, uma ligação direta entre os fatos e o aspecto moral da vida das pessoas implicadas. Por outro lado, é um apelo aos seus interlocutores para que se convertam. Entre o ficar atônitos e parados diante de catástrofes e desgraças alheias, há uma possibilidade concreta de ação: converter-se.
A parábola da figueira ilustra muito bem este apelo de conversão diante de uma existência estéril. O próprio Filho de Deus na sua vida terrena, representada pelos três anos nos quais buscava colher frutos, testemunha a paciência de Deus que aguarda frutos do seu povo. Ainda que tenha tido toda razão para mandar arrancar a figueira, pois essa demonstrava-se incapacidade de frutificar, permitiu-lhe um tempo de mudança. Este tempo (um ano) é enquanto nos for permitido administrar a vida; exige de nós o cuidado consciente e comprometido: “cavar ao redor e colocar adubo”. Porém, há um limite: “caso contrário, tu a cortarás”.
O percurso quaresmal, orientado pela escuta da Palavra, pelo compromisso com a autêntica caridade e pelo empenho pessoal e comunitário de superação das tentações que provocam esterilidade, deve nos ajudar a ler os sinais dos tempos, a não nos acomodarmos às situações de pecado só porque ainda não fomos castigados, nem muito menos buscar justificativas para as desgraças e sofrimentos dos outros apelando para os pecados deles. Entre o anúncio do castigo para os pecadores e a passividade inerte dos “religiosos” resignados, urge o apelo de conversão para todos.
Pe. André Vital Félix da Silva, SCJ.
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana.
Professor nos Seminários de Campina Grande-PB, Caruaru-PE e João Pessoa-PB.
Membro da Comissão Teológica Dehoniana Continental – América Latina (CTDC-AL).