Ascensão do Senhor (Lc 24,46-53)
De Betânia para os céus, passando pela cruz.
Por: Pe. André Vital Félix da Silva, SCJ
Na celebração da Ascensão do Senhor, a Igreja renova a sua fé na vitória de Cristo e confirma a sua esperança de que o seu futuro já está garantido, isto é, no Cristo exaltado à direita do Pai, a vida em plenitude já foi alcançada. Mais do que um deslocamento espacial (mudança de lugar geográfico), a verdade da Ascensão evidencia ainda mais o compromisso permanente do Deus que liberta o seu povo peregrino nas estradas do mundo. A libertação do Êxodo alcança a sua realidade definitiva no Mistério de morte e ressurreição do Filho de Deus, cuja ascensão é anúncio da entrada na definitiva Terra Prometida, a Pátria para onde todos nós somos chamados. Assim como Moisés foi colocado à frente do povo libertado rumo à Terra da Promessa, agora o Cordeiro imolado está de pé, portanto foi elevado, e com Ele todos nós somos conduzidos para o alto.
A Ascensão é a proclamação solene de que o Crucificado não é o derrotado, aprisionado no sepulcro, mas o vitorioso ressuscitado: “Humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o sobreexaltou grandemente” (Fl 2,8-9).
Ao concluir o seu evangelho, Lucas apresenta a cena da Ascensão do Senhor recordando algumas coisas fundamentais presentes ao longo do seu escrito. Antes de tudo, fazendo referência a Betânia, como o lugar da elevação de Jesus, recorda a relação intrínseca que há entre esta entrada de Jesus nos céus e a sua entrada messiânica em Jerusalém na iminência da sua morte (Lc 19,28-38). São os dois aspectos fundamentais do Mistério Pascal: Jesus que desce o Monte das Oliveiras, e de lá será elevado depois da ressurreição. Contudo, entre a Betânia da descida e aquela da subida está o Gólgota da cruz.
Para Lucas, os fatos não são capazes de serem compreendidos por si mesmos, mas é à luz do encontro da Escritura com a Palavra que a mente e o coração se abrem para acolher a revelação dos desígnios de Deus e compreender a dimensão mais profunda da realidade. Por isso, tudo aquilo que em Jesus se realiza é cumprimento das Escrituras: “Assim está escrito que o Messias devia sofrer e ressuscitar dos mortos ao terceiro dia”.
Já no início do seu evangelho, Lucas tinha afirmado solenemente que a Escritura não é apenas anúncio de promessas para um amanhã indefinido, mas em Jesus, ela encontra o seu hoje: “Enrolou o livro… Então começou a dizer: ‘Hoje realizou-se essa Escritura que acabaste de ouvir” (Lc 4,20-21). Assim como todos na sinagoga davam testemunho Dele, agora na Ascensão são os seus discípulos que serão as suas testemunhas.
Na Ascensão do Senhor, tudo aquilo que Jesus fez e ensinou é confirmado como herança e missão para os seus discípulos: “E que em seu nome fosse proclamada a conversão para a remissão dos pecados a todas as nações”. O perdão dos pecados, de fato, é um dos temas mais caros ao evangelista: perdão como manifestação da misericórdia. Porém, a conversão representa o compromisso de quem está verdadeiramente disposto a fazer essa experiência do encontro com a misericórdia. O próprio João Batista, no terceiro evangelho, é apresentado como o profeta do Altíssimo cuja missão é “transmitir a seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados” (Lc 1,76-77). Perdão e conversão constituem, assim, a vivência mais profunda da misericórdia. Por isso, a palavra corajosa do filho de Zacarias confirmará a sua missão: “Ele dizia às multidões: Produzi, pois, frutos que provem a vossa conversão” (Lc 3,7-8). Jesus, por sua vez, pleno do Espírito Santo, inicia a sua vida pública proclamando que a sua missão é, também, anúncio de um ano de graça do Senhor, quando se realiza a remissão dos pecados (Lc 4,18s). A sua própria práxis é caracterizada por uma atenção especial aos pecadores; é acusado não apenas de recebê-los, mas de fazer refeição com eles, isto é, compartilhar da vida. Compartilhar da vida dos pecadores cria as condições para o grande apelo de conversão; Jesus não faz uma exigência moralista que oprime e esmaga, mas a sua presença misericordiosa se torna força de mudança no coração dos pecadores. A misericórdia põe o pecador de pé, inicia-se nele um movimento de ascensão: “Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo” (Lc 19,8).
Na Ascensão, Jesus confia a própria missão aos seus discípulos, que agora são investidos de uma responsabilidade de testemunhas, isto é, de quem anuncia uma experiência vivenciada e não apenas uma informação recebida. Contudo, o Mestre não se despede deles, mas os abençoa: “Erguendo as mãos os abençoou”. No mesmo contexto do capítulo 24, Lucas relata que “estando à mesa, Jesus tomou o pão e o abençoou, partiu-o…”(24,1-35). Tal gesto foi decisivo para que os discípulos reconhecessem que era o Senhor. Abençoar, partir e entregar reúnem as ações fundamentais da Eucaristia, que é dom de Deus, mas também missão repartida e entregue. Na Ascensão, Jesus repete o mesmo gesto, não mais sobre o pão, que abençoado se transforma no sacramento da sua presença, mas sobre a comunidade, que abençoada por sua presença, torna-se também seu sinal visível no mundo. O verbo utilizado em ambos os contextos é o mesmo (eulogein: abençoar, bendizer).
Por conseguinte, a Ascensão é o momento no qual a comunidade das testemunhas do ressuscitado é abençoada, isto é, transformada em seu Corpo, pois compartilha da sua mesma missão. Eis o motivo de grande alegria: “voltaram a Jerusalém com grande alegria”. Assim, como no encontro com o Ressuscitado (no cenáculo), os discípulos foram tomados de grande alegria, agora enchem-se de alegria na expectativa de que se cumpra neles a promessa: “Sereis revestidos da força do Alto”.
Toda celebração eucarística é atualização desse mistério: pela invocação do Espírito Santo (epíclese), o pão abençoado transforma-se em Corpo de Cristo, e a comunidade que dele se alimenta, é abençoada a fim de que se transforme no seu Corpo, para prolongar na história a sua missão salvadora.
Celebrar a Ascensão do Senhor é renovar a consciência de que Ele nos abençoa, isto é, nos transforma em seu Corpo e nos reconfirma na missão. Celebrar o Pentecostes, no próximo domingo, é recordar que para realizar essa missão nos foi dada uma força do Alto; não somos nós os protagonistas da missão, pois não estamos sozinhos. Ele não nos abandona, mas nos leva consigo.
Fonte: Dehonianos