Aquietemos nossos corações: Deus está no meio de nós!
Prof. Carlos Martendal
Em 25 de julho de 1920, no cinquentenário da proclamação de São José como Patrono da Igreja Universal, o Papa Bento XV entregou ao mundo a carta encíclica Bonum Sane. Escreveu logo no início:
“Se considerarmos as hodiernas calamidades que afligem o gênero humano, parece ainda mais evidente a oportunidade de intensificar o culto ao santíssimo Patriarca São José e de difundi-lo com
maior força em meio ao povo cristão” (in “São José, Esposo da Santíssima Virgem Maria, Cardeal Alexis Marie Lépicier, O.S.M., Editora Ecclesiae, página 309).
Exatamente um século depois, são atualíssimas essas palavras, quando vivemos a pandemia do coronavírus. Vamos nos voltar cada vez mais para nossos queridos São José e Nossa Senhora,
pedindo sua preciosa intercessão junto a Jesus, a fim de que Ele leve ao Pai nossos pedidos para que se encontre um remédio para este sério mal.
Esforcemo-nos por deixar nosso coração repousar em Deus. Cada dia é o Pai que nos concede a vida. Confiemos n’Ele, joguemo-nos em seus braços, alojemo-nos em seu coração tão rico de
misericórdia e bondade.
Hoje Jesus nos diz com mais força ainda – se é possível dizer assim: “Pedi e vos será dado! Procurai e encontrareis! Batei e a porta vos será aberta! Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate, a porta será aberta. Quem de vós dá ao filho uma pedra, quando ele pede um pão? Ou lhe dá uma cobra, quando ele pede um peixe? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedirem!” (Mt 7,7-11).
Estamos confinados: aproveitemos o tempo para conversar em casa, para brincar com os filhos, para assistir a Santa Missa pelas tevês católicas, para lermos, escutarmos a Palavra de Deus em família, para acompanhar a programação das rádios cristãs, para “olhar os pássaros do céu, que não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No entanto, o Pai celeste os alimenta.
Será que não valemos mais do que eles? Quem de nós pode, com sua preocupação, acrescentar um só dia à duração de sua vida?E por que ficar tão preocupados com a roupa? Olhemos como crescem os lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. No entanto, Jesus nos diz, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu como um só dentre eles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje está aí e amanhã é lançada ao forno, não fará ele muito mais por nós, gente fraca de fé?
Portanto, não vivamos preocupados, dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber?’ Nosso Pai que está nos céus sabe que precisamos de tudo isso. Busquemos em primeiro lugar o Reino de Deus.
Não nos preocupemos com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu cuidado!”
São palavras de Jesus, no Evangelho de Mateus 6,25-34, em que mudei o pronome ‘vós’ por ‘nós’.
Aquietemos nossos corações: o Senhor está conosco como esteve com Moisés. O próprio Senhor diz isso a Josué, sucessor de Moisés (Js 1,5), a quem Ele manda levantar-se e atravessar o rio Jordão (cf. Js 1,2). Também nós devemos levantar-nos se estamos prostrados, abatidos, confusos, desanimados: o Senhor é nossa força.
“Atravessar o rio Jordão”: é preciso deixar a margem da insegurança, do medo, do pavor, porque, no outro lado, o Senhor nos espera para dar-nos a mão, como deu a Pedro quando este estava afundando nas águas do mar da Galileia. Olhe como são encorajadoras as palavras do Mestre, que encontramos no capítulo primeiro do livro de Josué:
“Não te deixarei nem te abandonarei. Sê forte e corajoso, sê forte e muito corajoso. Não tenhas medo, pois o Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (cf. Js 1,5-7.9).
Agora sintamos ainda mais o amor de nosso Deus, o encorajamento que nos dá por meio do profeta Isaías. Vou ler trechos que estão no capítulo 41, especialmente partes dos versículos 8 a 14. Onde você ler ou escutar os nomes ‘Israel’ e ‘Jacó’, faça uma substituição, coloque seu próprio nome:
“Tu, porém, Israel, és o meu servo, foste tu, Jacó, a quem eu escolhi, meu amigo! Tu és o meu servo, eu te escolhi e não te deixei. Não tenhas medo, que eu estou contigo. Não te assustes, que eu sou o teu Deus. Eu te dou coragem, sim, eu te ajudo. Sim, eu te seguro com minha mão vitoriosa. Eu te pego pela mão e digo: ‘Não temas, que eu te ajudarei. Não tenhas medo, vermezinho Jacó, não te assustes, Israel! Eu te ajudarei’”.
O próprio Deus pede para não nos assustarmos, para não termos medo, pois Ele está conosco!
Vejamos as Missas pela TV ou por outros meios de comunicação social, façamos nossas comunhões espirituais, que podem ser repetidas várias vezes por dia, manifestemos a Jesus o desejo de recebê-lo e digamos muitas e repetidas vezes:
“Fica comigo, Jesus!” E: “Fica comigo, Maria!, Fica comigo, São José! Fica comigo, meu Anjo da Guarda!”
Repitamos para nós mesmos, em voz alta, se preciso, o que assegura o salmista no Salmo 40[39],18:
“O Senhor cuida de mim, é meu auxílio e meu libertador”. No Salmo 55[54],23, o autor sagrado pede a ti e a mim: “Entrega os teus cuidados [as tuas preocupações] ao Senhor, porque ele será teu sustentáculo; não permitirá jamais que vacile o justo”.
No Antigo Testamento, lá no livro do Deuteronômio, capítulo 32, versículos 9 e 10, Moisés recita belo cântico a todo o Israel reunido. Diz: “Propriedade do Senhor é o seu povo. Em terra deserta o encontrou, cercou-o de cuidados e o ensinou, guardando-o como a menina dos olhos”.
E notemos como é belo o versículo 11: “Qual águia que desperta a ninhada, esvoaçando sobre os filhotes, também ele estendeu as asas e o apanhou e sobre suas penas o carregou” (Is 32,11). Como a águia, Ele nos carrega sobre seus braços, suas ‘penas’. Ele nos aninha em seus braços como uma galinha aninha seus filhotes debaixo das asas. Que figura bonita, paterna!
Nós somos o povo do Senhor dos exércitos, Criador do céu e da terra, Deus todo-poderoso; nós somos a sua vinha, que Ele defende. Ouçamos o Senhor falando pela boca do profeta Isaías: “Eu, o Senhor, sou responsável por minha vinha [por meu povo]. Cuido de regá-la sempre que é preciso. E, para que ninguém venha estragá-la, dia e noite eu vigio” (Is 27,3)!
Guardemos bem dentro do nosso coração e procuremos viver a Palavra que São Pedro coloca em sua primeira carta 5,7: “Lançai sobre Deus toda a vossa preocupação, pois é ele quem cuida de vós”!
Repitamos com convicção: “É Deus quem cuida de mim, de nós”! E entreguemo-nos à sua vontade de Pai.
Leonardo Boff escreve assim: “O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais do que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção. Representa uma atitude de ocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”.
Cuidado: sim, cuidado, não o descuido, não o descaso às orientações das autoridades. Cuidado com as mãos, cuidado com a proximidade física, cuidado com a higiene dos talheres, mas, também, cuidado com o outro, com o envolvimento afetivo com o outro, através de um telefonema, de uma mensagem por whatsapp – alentadora, não alarmista -, de um pensamento bom, de uma oração de entrega, de libertação.
Na carta encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum, de 2015 , o Papa Francisco escreve no número 208: “Sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro. Sem essa capacidade não se reconhece às outras criaturas o seu valor, não se sente interesse em cuidar de algo para os outros” . “Sair de si mesmo” não significa sair de casa, é ir ao
encontro, com palavras de ânimo, de conforto, como vimos há pouco.
Quando saímos de nós mesmos, cuidamos dos outros, do próximo. A Campanha da Fraternidade deste ano traz, tão apropriadamente , o tema ‘Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”. Sejamos sempre mais fraternos, mais irmãos uns dos outros, para dar-lhes vida, para encorajá-los, para animá-los , mesmo que, às vezes , nós mesmos estejamos apreensivos. É a força que brota d’Aquele que é nossa força, nosso sustentáculo , nosso refúgio e fortaleza.
E fiquemos um pouco com o lema da Campanha, tirado de Lucas 10,33-34: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Cuidar, acentua o texto-base preparado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil , a CNBB, é ter mais ternura na vida (cf. n. 134). Diz mais o texto: “Quando o ser humano se sente amado, sente-se estimulado a amar e a cuidar” (n. 135).
Há quanto tempo você não expressa ao seu marido ou à sua mulher um “eu te amo”? Aproveite bem o tempo de agora, diga-lhe isso, repita, olho no olho, e sele essa declaração com um beijo, mesmo que seja um beijo de vontade e, não, físico. Reconcilie-se, se estiverem em desacordo. E animem os filhos, os netos, os pais, os avós, abracem por telefone, por mensagens no celular,
pelas suas orações. É Quaresma, é tempo de conversão, de evangelização…
No número 136 do texto da Campanha da Fraternidade, lê- se assim: “Sentir compaixão e cuidar com ternura é reacender a chama de uma vida; é reconstruir uma história; é aquecer um coração desesperado; é iluminar quem está na escuridão; é abrir os braços para quem precisa de um abraço; é fazer-se presente onde ninguém deseja estar ou queira ficar”. Tudo isso pode-se fazer sem sair de casa, mas é preciso sair de si mesmo, ir ao encontro com a palavra que encoraja, com um dizer ‘tenho vontade de te abraçar como se abraçasse meu pai, meu filho’, ‘desejaria, de coração, estar aí, agora, contigo, mas as circunstâncias não permitem’. Façamo-nos presentes, cuidemos uns dos outros, porque “o sentido da vida se encontra no amor, o qual se traduz no cuidado para com os que sofrem” (Texto-base da CF, n. 171).
Sejamos como aquele pai que encontramos no Evangelho de São Lucas 15, 11-32: o filho pediu-lhe, antecipadamente, a herança. A tristeza do pai foi grande, porque seu amado – ele intuía – iria jogar tudo fora. E foi o que aconteceu. Mas o amor sempre sabe esperar, ele tem pressa mas sabe esperar. Cada dia, aquele pai ficava perscrutando o horizonte, com a esperança de ver o filho que havia partido, se este resolvesse voltar para casa. “O amor tem a faculdade de adivinhar”, dizia Pe. Caffarel, o fundador das Equipes de Nossa Senhora. Um dia, “quando ainda estava longe, seu pai o avistou e foi tomado de compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e o cobriu de beijos” (Lc 15,20).
‘Que é a compaixão?’, pergunta Pe. Caffarel. E ele mesmo responde: “A melhor definição de compaixão não se encontra no dicionário, mas numa carta de Madame de Sévigné à sua filha que padecia de bronquite: ‘Minha filha, estou com dor em seu peito’.
Eis a compaixão. Tenho dor na dor do outro. E o Pai tem dor na dor de seu filho, e Cristo quer fazer-nos compreender que o Deus todo-poderoso, que o Pai das Misericórdias, tem dor na dor de seu filho pecador. Pois o pecador é, antes de tudo, um ferido aos olhos de Deus. É uma criança que se machucou, e isso lhe é insuportável. Ele tem dor na dor de seu filho” (“Reconciliação, Sinal de
Amor”, Super-Região Brasil das ENS, 2019, página 100).
O amor não existe para ficar escondido no coração; tem que se revelar, precisa manifestar-se em obras de entrega e de serviço, não pode ficar apenas em sentimento. Quem cuida, sabe a hora de fazer as coisas e, como diz conhecida canção, “não espera acontecer”: corre ao encontro!
Para estar conosco, Deus como que corre para nós, para cuidar de nós, para derramar conforto e coragem em nossos corações. E, diz São Josemaria Escrivá, em “Cristo que passa” (n. 64): “Perante um Deus que corre para nós, não podemos calar-nos e, então, lhe diremos com São Paulo: ‘Abbá, Pater!’ (Rm 8,15) . Ele nos espera como o pai da parábola, estendendo para nós os braços”.
Deixemo-nos abraçar por Ele, deixemo-nos em seus braços paternos, entregues aos seus desígnios de Pai amoroso e cheio de misericórdia.
Neste tempo de quedas nas Bolsas de Valores, peçamos a Nosso Senhor que nos mande “o ouro da paciência na bolsa das tribulações” (cf. “O Breviário da Confiança”, Mons. Ascânio Brandão, Ed.Cléofas, página 44). E vivamos confiantes n’Ele, “fornalha ardente de caridade”, na Mãe Santíssima – Auxílio dos cristãos -, e no grande São José, cuja bondade não falha!
Santa Dulce dos Pobres , que carregava tantas vezes os doentes no colo, fraquinha como era, ensinou que “é preciso que todos tenham fé e esperança em um futuro melhor. O essencial é confiar em Deus” (in Texto-base da CF 2020, página 25). Ter esperança é não contar comigo mesmo, mas com Deus, ensinava Santo Agostinho. Tenhamos essa esperança. Confiemos em Deus.
Imitemos o salmista e digamos também nós: “Como criança desmamada no colo da mãe, me acalmo e tranquilizo, como criança desmamada é minha alma. Espero no Senhor” (cf. SI 131 [130]).
E rezemos para que se encontre um remédio para esta epidemia, rezemos pelas autoridades da saúde a fim de que saibam encaminhar as ações para combatê-la; rezemos pelos médicos, pelos enfermeiros, voluntários e todos os profissionais que se entregam sem medida, com sacrifícios imensos, para socorrer os que sofrem. Que Deus os recompense abundantemente, e às suas famílias.
Estamos reunidos em nossas casas, com nossas famílias. Vamos pedir a Deus que nos abençoe.
Escutemos, do Pe. Zezinho, “Oração pela família”.
CD “Pe. Zezinho, scj – 45 anos de canção” faixa 21 – 4min47s