Por: Mons. André Vital Félix da Silva, SCJ
A Solenidade de Pentecostes marca profundamente a vida da Igreja pois representa o elo entre os dois momentos fundamentais e inseparáveis da sua história. Se durante a vida pública de Jesus a Igreja foi gerada pela força da sua palavra, os discípulos foram chamados a estarem com Ele e serem enviados em missão, o primado de Pedro foi anunciado, e inauguravam-se os sacramentos do Batismo e da Eucaristia, o Pentecostes representa o momento do parto da Igreja, uma Igreja que vem à luz pela força do Espírito Santo para ser também ela luz para o mundo.
A Igreja enquanto peregrina nesse mundo vive a tensão entre o ser gerada e o vir à luz. Os cinquenta dias do tempo da Páscoa condensam, de modo mistagógico e didático na liturgia, essa experiência permanente da comunidade do Crucificado que está vivo. Na festa da Ascensão do Senhor ouvimos que Jesus passou 40 dias com os discípulos, instruindo-os sobre o Reino de Deus (cf. At 1,3), a fim de que revestidos pela força do alto partissem do útero onde foram gerados para o mundo ao qual iriam ser enviados.
O evangelho de hoje nos apresenta esse necessário e difícil momento de parto da comunidade. Estamos no primeiro dia da semana, o dia da ressurreição do Senhor, mas é noite e as portas estão trancadas. Talvez para os discípulos, encerrados naquela casa e protegidos de tudo aquilo que poderia representar perigo externo, permanecer ali seria a situação mais confortável. Se fosse possível perguntar a uma criança que se encontra ainda no ventre da mãe, bem acomodada ao seu pequeno mundo onde foi gerada e onde encontra toda a segurança, se ela desejaria sair dali, certamente a resposta seria negativa. Ainda que permanecesse na escuridão do interior da barriga da mãe, por não conhecer a luz, preferiria viver ali para sempre. Assim também a Igreja que se acomoda à vida ad intra, acomodada ao seu útero, onde recebe o necessário para a sua subsistência, mas está privada de um horizonte que se descortina apenas quando acontece o parto, quando vem à luz para realizar a sua missão de luz do mundo.
Ao anoitecer daquele primeiro dia, Jesus não entrou apenas num lugar físico onde os discípulos estavam, mas penetrou no útero onde a Igreja que ele gerou aguardava o momento do parto, cujos trabalhos já se iniciaram com a sua morte e ressurreição; rompendo as barreiras do medo e da incredulidade, provoca o nascimento daqueles que Ele gerara com amor aos extremos (cf. Jo 13,1s). Tendo atravessado os momentos de angústia e sofrimento, próprios da mulher que está para dar à luz (cf. Jo 16,21), o Ressuscitado anuncia que é hora de nascer, pois a paz foi alcançada: “A paz esteja convosco”. Mas se o parto provoca dor e sofrimento deixando marcas de sangue: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”, dar a vida causa alegria indescritível e permanente: “Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor”.
Contudo, essa alegria só será plena à medida que se abandona o útero e se entra no mundo para testemunhar a força da vida, que não pode ser destruída pela morte e, ao mesmo tempo, apontar para a fonte da vida, o Pai que garante essa vida em plenitude: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”.
Pois assim como tudo começou com o sopro de Deus, podemos dizer o primeiro parto da criação: “No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,1s). Agora, o segundo e definitivo parto da criação acontece com o mesmo sopro de Deus: “Soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo”. Se das trevas primordiais tudo foi chamado à luz, a primeira criatura de Deus, na nova criação os seus primeiros filhos são chamados a sair da escuridão (o primeiro dia anoitecido) para o encontro com a luz que não se paga, o Primogênito dos mortos, a luz que vindo ao mundo ilumina todo homem, pois é vida (Jo 1,9).
A celebração de Pentecostes não é festejar a Terceira Pessoa Divina, como se fosse um protetor paroquial, a quem damos louvores e prestamos homenagem. Celebrar Pentecostes é deixar-se conduzir à sala de parto pelo vento impetuoso, o Espírito que foi derramado em nossos corações, o Espírito que provoca o nascimento constante, impedindo aprisionamento a situações cômodas. O sopro divino rompe toda a passividade espiritualista e nos expulsa do útero da nossa autorrefencialidade, que nos atrofia e consequentemente nos aborta, e leva-nos para o mundo necessitado de luz, da verdade do evangelho que liberta e nos reconcilia com o Pai: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”; de modo misterioso, somos comprometidos com a salvação do mundo: “A quem não perdoardes, eles lhes serão retidos”. Portanto, quem foi gerado pelo Espírito ou nasce ou é abortado, dentro do útero ninguém pode permanecer para sempre. O útero é fundamental para a vida ser gerada, mas torna-se pequeno para a vida alcançar sua plenitude. A missão será o grande testemunho de que Deus, de fato, nos gerou no seu Filho e nos fez vir à luz pelo seu Espírito.
fonte: Dehonianos